18/06/2023 - Com contratações de impacto, príncipe herdeiro Mohammed bin Salman busca colocar país do Oriente Médio em evidência mundial, seja dentro de campo ou fora das quatro linhas.
A Arábia Saudita está investindo pesado para se transformar em um novo polo do futebol mundial. Em janeiro deste ano, o Al Nassr surpreendeu ao contratar o português Cristiano Ronaldo, vencedor do Fifa The Best em cinco oportunidades e apontado como um dos melhores jogadores de todos os tempos. Já nesta janela de transferências, o Al Ittihad anunciou o atacante Karim Benzema, atual ganhador da Bola de Ouro, como novo reforço. Além disso, o clube se aproximou de N’Golo Kanté, campeão do mundo com a França e com o Chelsea. Segundo a imprensa europeia, o argentino Lionel Messi também recebeu uma proposta do Al Hilal para receber 300 milhões de euros (R$ 1,5 bilhão) por ano, mas preferiu migrar para o Inter Miami (EUA). Fora os craques citados, Ángel Di María e Álvaro Morata estão sendo especulados no país do Oriente Médio, assim como os treinadores José Mourinho (Roma), Tite (ex-seleção brasileira) e até Luís Castro (Botafogo). Todo este movimento não é uma iniciativa isolada e faz parte de um plano do governo saudita, liderado por Mohammed bin Salman — o príncipe herdeiro libera as verbas aos times através do Ministério do Esporte. A ideia é usar a popularidade do esporte mais famoso do planeta para alterar a imagem da Arábia Saudita no cenário internacional e fazer mais negócios no exterior.
Neste sentido, o fortalecimento da Liga Saudita é uma das frentes do governo. Em outubro de 2021, um consórcio financiado pelo governo árabe comprou 80% das ações do Newcastle, da Inglaterra, por 300 milhões de libras (na cotação da época, cerca de R$ 2,2 bilhões). Tetracampeão inglês, o clube amargava momentos difíceis desde a década de 1980, mas rapidamente se reergueu com os novos donos e já garantiu vaga para a próxima Liga dos Campeões, a principal competição da Europa. No Brasil, o Mudabala Capital, também financiado pelos sauditas, está em conversas com os clubes da Liga do Futebol Brasileiro (Libra) para participar da organização do Brasileirão e deter parte dos direitos de transmissão do campeonato. Ao todo, o grupo deseja desembolsar R$ 4,75 bilhões num acordo válido por cinco décadas. O plano mais ambicioso, porém, é inspirado no Catar, país que sediou a última Copa do Mundo, disputada no ano passado e vencida pela Argentina. De acordo com o próprio presidente da Confederação Asiática de Futebol, a Arábia Saudita “está chegando com força” para receber o principal torneio de seleções. “Acho que a Arábia Saudita é um país capaz de organizar um torneio semelhante”, disse Sheikh Salman, que é do Bahrein. “Mas temos que escolher o momento certo: 2030 ou 2034? Se nossa chance de sediar o torneio é melhor em 2034, estamos analisando isso, e se nossas condições em 2030 forem melhores, por que não?”. Atualmente, Portugal, Espanha e Marrocos formam uma candidatura para o Mundial de 2030, enquanto Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai se uniram para fazer concorrência. A edição de 2026 já está marcada para ocorrer nos Estados Unidos, México e Canadá.
A técnica de utilizar o futebol para fins políticos, conhecida como “Sportwashing”, não é exatamente uma novidade. Além do Catar, dono do Paris Saint-Germain, alguns regimes do passado também já utilizaram esta tática. Os ditadores Adolf Hitler (Alemanha) e Benito Mussolini (Itália), por exemplo, adotaram a estratégia entre as décadas de 1930 e 1940. No caso da Arábia Saudita, o governo é criticado internacionalmente pela violação de direitos humanos, com a perseguição de mulheres e membros da comunidade LGBTQIA+. Além disso, um documento feito por autoridades estadunidenses afirma que Mohammed bin Salman foi mandante da morte do jornalista Jamal Khashoggi, um ferrenho opositor do governo árabe, em 2018. O príncipe herdeiro, entretanto, nega qualquer envolvimento no assassinato. Ao mesmo tempo em que anseia alterar esta imagem negativa, a Arábia Saudita visa ampliar seus negócios mundo afora. Nos últimos meses, o governo passou a descentralizar suas relações exteriores com os Estados Unidos, promovendo uma aproximação com Rússia, China e os Brics. O objetivo é ter mais influência no contexto global para “dar as cartas” em decisões importantes.
Projeto pode ‘flopar’
Na década passada, vale lembrar, a China promoveu a mesma iniciativa e desembolsou uma alta quantia para ter jogadores badalados em seu futebol, como Carlos Tévez, Oscar, Fábio Cannavaro, entre outros. O plano, entretanto, naufragou com a falta de interesse dos atletas mais importantes, que ficaram receosos de uma evidente perda de visibilidade. Com o passar do tempo, os chineses também diminuíram o investimento no esporte. A princípio, segundo informações dos jornalistas Tariq Panja e Ahmed Al Omran, do “New York Times”, a intenção do projeto saudita é viabilizar até US$ 1 bilhão para contratar e remunerar ao menos 20 jogadores de primeiro escalão. Desta forma, resta saber se o plano da Arábia Saudita em utilizar o futebol nesta grande empreitada terá sucesso a longo prazo.
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